A iniciativa governamental é louvável a todos os títulos, mas, verdade seja dita, não é inédita, visto que o problema já se arrasta há vários anos, sem resultados práticos.
Ao longo destes últimos anos houve um crescimento exponencial da população de sobas e seus auxiliares (sobetas), ao invés da sua redução, com todas as consequências negativas daí resultantes, sobretudo na (re)organização do poder político-administrativo, assim como em onerar o Estado em despesas supérfluas.
Quem tem assistido aos distintos eventos políticos, sobretudo em vésperas das campanhas eleitorais promovidas pelo partido governante, já terá dado conta da presença massiva de uma vasta população de sobas e sobetas, que são oficialmente designados por autoridades tradicionais.
Este fenómeno cíclico ocorre com maior incidência nas várias deslocações que João Lourenço tem feito às distintas províncias do País, tanto na qualidade de Presidente da República como líder do partido maioritário.
Angola é, provavelmente, o país de África com mais sobas por "metro quadrado", cuja população está estimada em 50 mil almas. E, por incrível que possa parecer, há no País comunidades com mais sobas do que agentes policiais.
Há sobas para todos os gostos e feitios, muitos dos quais cada vez mais jovens, o que está a ser visto em alguns meios como uma oportunidade de emprego ou acomodação material.
O crescimento exponencial da vasta população de sobas, de acordo com diversas fontes, não foi obra do acaso, mas terá resultado de uma estratégia gizada pelo partido governante, no sentido de, supostamente, comprar fidelidades políticas. Diz-se que muitos deles foram promovidos por conveniência política e não por questões de consanguinidade ou tradição; outros, de forma oportunista, aproveitaram-se das "facilidades" que o sistema proporcionou e autoproclamaram-se sobas.
Ninguém em sã consciência pode negar ou dissociar esse crescimento às interferências do poder político.
Convém recordar que, há uns anos, o jurista Carlos Feijó se mostrou contra as nomeações e politização das autoridades tradicionais que, segundo ele, eram feitas " sem a observância nem legitimidade do direito consuetudinário, o que facilitava o surgimento descontrolado de soberanos nas comunidades".
O também docente universitário fez esta revelação, em 2019, durante o III Encontro Nacional das Autoridades Tradicionais, quando abordou o tema "As Autoridades Tradicionais no Estado Moderno".
Na altura, Carlos Feijó advertiu para se ter "cuidado com as tradições e as autoridades tradicionais inventadas", tendo defendido a necessidade de uma legislação adequada para "inibir a sua proliferação".
O jurista, tido por uns como o "pai" da CRA atípica, revelou que, em 2010, enquanto exerceu o cargo de ministro de Estado, o País "gastava cerca de 100 milhões de dólares do Orçamento Geral do Estado (OGE) para as autoridades tradicionais".
De lá para cá, não se tem notícia de que houve acções tendentes no sentido de reduzir a bem nutrida população de sobas para evitar os gastos supérfluos do erário.
Uma das interferências do poder político, ou seja, do partido governante em politizar ou imiscuir-se em questões do poder tradicional, ficou evidente aquando da destituição do rei do Bailundo, Ekuikui VI, que foi afastado do cargo por questões de natureza política, em 2021.
O antigo soberano do Bailundo, que numa relação de promiscuidade política chegou a ser membro do Comité Central do MPLA, seria humilhado num julgamento conduzido por uma juíza, no qual acabaria condenado por alegado envolvimento num crime de homicídio e por abuso do poder.
À boca pequena, comentou-se que as verdadeiras razões que levaram ao afastamento do antigo Rei do Planalto Central teria a ver com o facto de esse ter recebido e escancarado desmesuradamente às portas da sua ombala o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, quando esse visitou aquele município da província do Huambo.
Quebrando uma tradição secular, a substituição de Ekuikui IV foi feita por via de eleições, num processo em que, de acordo com fontes convergentes, o MPLA terá colocado as suas impressões digitais e "escolhido" o seu candidato ideal.
Sintomaticamente, as relações de promiscuidade entre o poder político e as autoridades tradicionais foram expostas nas eleições de 2017, quando o Maka Angola revelou, numa das suas publicações, que a empresa Logística e Transportes Limitada (LTI) - contratada pela CNE - havia distribuído kits eleitorais, incluindo urnas e boletins de votos nas residências de sobas ligados ao MPLA, em várias localidades da Lunda-Norte, sem qualquer tipo de supervisão.
A publicação de Rafael Marques apontou, na altura, os nomes de vários sobas que tinham o material eleitoral à sua guarda, sendo quase todos eles identificados como membros dos CAP.
Um dos argumentos usados para que os sobas tivessem servido de fiéis depositários do material eleitoral, sem qualquer supervisão, assentava no "dever de cooperação" entre entidades oficiais, tradicionais e privadas, de modo a garantir um processo eleitoral bem-sucedido. Este argumento não tem respaldo jurídico nem eleitoral.
Diante dessa teia de cumplicidades, há mesmo vontade política de se pôr em prática o protocolo assinado entre os Ministérios da Cultura e do MAT, respectivamente, ou o mesmo não passou de mais um exercício de retórica? Não será muito arriscado para o MPLA desligar-se dessa falange de apoio, a pouco mais de dois anos das eleições de 2027?